“O juiz foi cuidadoso com Lula. Ele não mandou prender nem usou a totalidade da dosimetria da pena. Podia ser muito mais duro, mas acredito que não tenha ignorado a dimensão pública do réu. Acredito que a chance é de aumentar a pena”, afirma o jurista, que se debruçou na análise das 218 páginas da sentença. “É muito bem estruturada e fundamentada. Parece que foi escrita para ser lida até por quem não conhece de processo.”
Na justificativa para a condenação, Moro lista 15 provas documentais que, segundo ele, indicam a ocultação por Lula da propriedade de uma cobertura tríplex no Guarujá (SP). O juiz sustenta que o imóvel foi recebido pelo ex-presidente como propina da empreiteira OAS. Com a sentença, pela primeira vez na história, um ex-presidente é condenado por crime comum no país.
De acordo com Cavalcanti, mesmo sem documento que comprove a posse do imóvel, os indícios já são fortes para atestar o crime. “Nem sempre precisa de uma assinatura. As provas são quase sempre circunstanciais. O goleiro Bruno, por exemplo, foi condenado pela morte de Eliza Samúdio. Não tem foto, não tem vídeo, não tem corpo. E por que Bruno está preso? Pelas provas circunstanciais”, argumenta.
Entre as provas, Moro cita a apreensão, na casa de Lula, de “termo de adesão e compromisso de participação” sobre o tríplex, com subscritos da ex-primeira- dama Marisa Letícia Lula da Silva. O juiz também aponta que o casal pagou 50 de 70 prestações do imóvel. Ele ressalta ainda que a OAS — do também condenado pela Lava-Jato, o empreiteiro Léo Pinheiro — gastou R$ 1,1 milhão em reforma do imóvel, prática que não era adotada pela construtora. Moro acrescenta que mensagens eletrônicas relacionam as melhorias no imóvel a Lula e dona Marisa.
Cavalcanti afirma que a análise pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) é a última possibilidade de haver novo exame das provas. “Há súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinam que esses tribunais não reexaminem provas. O último momento é em Porto Alegre (sede do TRF-4), por isso, o mais importante. E o tribunal de Porto Alegre costuma ser duro ao julgar”, frisa. Segundo ele, o TRF-4 manteve 94% das decisões de Moro na Lava-Jato.
A sentença
Confira oito das 15 provas documentais do juiz federal para condenar Lula
» 1. Nos próprios documentos de aquisição de direitos sobre a unidade do Residencial Mar Cantábrico (redenominado pela OAS de Condomínio Solaris), subscritos por Marisa Letícia Lula da Silva, já havia anotações relativas ao apartamento tríplex.
» 2. Entre os documentos de aquisição de direitos sobre unidade do Residencial Mar Cantábrico foi apreendido, na residência do ex-presidente, “termo de adesão e compromisso de participação”, que, embora não assinado, diz respeito expressamente à unidade correspondente ao tríplex.
» 3. Luiz Inácio Lula da Silva e Marisa Letícia Lula da Silva pagaram 50 de 70 prestações, sendo a última em 15/9/2009.
» 4. A OAS Empreendimentos ou a Bancoop jamais promoveram qualquer medida para que Lula e Marisa fizessem opção entre formalização da compra ou da desistência nem tomaram nenhuma iniciativa para retomar a cobrança das parcelas pendentes.
» 5. A OAS jamais colocou à venda o tríplex no Guarujá.
» 6. A OAS, por determinação do presidente do grupo, Léo Pinheiro, fez reformas expressivas no tríplex durante todo o ano de 2014, com despesas de R$ 1.104.702,00. Houve instalação de um elevado privativo, de cozinhas e armários, demolição de dormitório, retirada da sauna, ampliação do deck da piscina e colocação de aparelhos eletrodomésticos.
» 7. A OAS não fez isso em relação a qualquer outro apartamento no Condomínio Solaris nem tem por praxe fazê-lo nos seus demais empreendimentos imobiliários.
» 8. Mensagens eletrônicas trocadas entre executivos da OAS relacionam as reformas do tríplex a Lula e a Marisa Letícia.
Fonte: sentença do juiz federal